Esfarrapadíssima a desculpa de Michel Temer para não viajar à Ásia: o calendário eleitoral prejudicaria votações importantes no Congresso, pois os presidentes da câmara e senado não poderiam assumir a presidência da república; ficariam inelegíveis. Desculpa cínica e falsa, pois o real motivo até o Lago Paranoá conhece: a investigação contra o presidente, que trará para depoimento policial sua filha Maristela. Além da ética questionável do presidente, o ato revela mais um fenômeno de nossa analgesia política. Tomamos como natural atos como este.
O calendário eleitoral é fixo, não surgiu como um raio imprevisto, na véspera da viagem para a Ásia. Uma viagem de Estado é marcada com antecedência, não raro de ano. Implica negociações e arranjos diplomáticos com os países visitados, agendas de dignitários, envolvimento de comitivas comerciais e culturais de lado a lado. O cancelamento abrupto não convence, a menos que seja ditado por circunstâncias realmente graves, como guerra, cataclismos, estado de emergência, circunstâncias que exigem a presença do chefe de Estado no país.
Portanto, o que Michel Temer faz é pôr sua circunstância pessoal, seus problemas particulares, acima das exigências do Brasil, da comunidade nacional e até da cortesia internacional. Um gesto, em suma, que agrega mais um ponto negativo ao descrédito nacional. Essa questão da impossibilidade de os substitutos naturais assumirem interinamente a presidência para não comprometer seus projetos políticos não é muito diferente da motivação do adiamento da viagem do presidente. Para quê, então, exercem a chefia das câmaras congressuais?
As exigências institucionais cedem aos interesses pessoais dos que exercem cargos que têm entre suas funções exatamente a de substituir interinamente. Ou se muda a regra ou se perpetua a deformação típica – entre tantas – de o Estado ser refém e paciente dos interesses políticos particulares das autoridades de cúpula do Estado. Uma coisa tão evidente e tão perniciosa é aceita – como tantas de igual peso e repercussão – com a maior naturalidade no campo institucional. Nossa analgesia moral: os brasileiros perdemos a capacidade de sentir indignação.