Crônica da morte anunciada

A CAMPANHA que não cessa, ontem editorial do Estadão e artigo de fundo da Folha, a direção e intenção de cassar o senador Sérgio Moro. O ex-juiz da Lava Jato vive o drama de Santiago Nasar, a vítima-personagem de A crônica de uma morte anunciada, romance de Gabriel Garcia Márquez. O destino de Moro não foi, como o de Nasar, traçado na primeira linha da história, mas a história pública do juiz prenunciava o desenlace cármico da ambição desmedida e descontrolada que pune seus beneficiários. Moro, como se diz em vulgar, fez “fez justiça com as próprias mãos”, disfarçadas sob o aparato legal. Foi aplaudido, valorizado, apoiado e iniciou a trajetória que o elevou como foguete de um único estágio, que, gasto o combustível, é tragado pela gravidade para espatifar no solo.

O juiz da Lava Jato ousou ser o senhor de seu destino; ousou, é o verbo adequado, pois, cego pela ambição, assomou o “palco iluminado onde, vestido de dourado, embalou sua fantasia com os guizos falsos da alegria”. Lembrar Chão de Estrelas é homenagem ao juiz que até certo momento, também embalou nossa fantasia e nossas esperanças, estas alimentadas pela opinião pública e midiática cansada e indignada com a corrupção sistêmica investigada na  Operação Lava Jato. À época, excetuados réus, agentes, beneficiários e políticos envolvidos na Lava Jato, todos aplaudiram o juiz draconiano. Moro poderia persistir na carreira colhendo os louros cívicos de sua ação de magistrado. Apesar dos pesares poderia receber alguma indulgência, pois juízes erram e exageram.

Porém, sua trajetória, desde que liberou provas para influir na eleição do último presidente, de quem foi ministro em seguida, pôs sob suspeita sua atuação e, para desvendar-lhe as intenções e as manipulações foi um passo. Ingênuo e autossuficiente, Moro imaginou-se imune às armadilhas da vaidade, da ambição e, acima de tudo, da vingança que viria – perdoe-se o advérbio – inelutável. A partir da morte do juiz e senador, ora anunciada, socorre-nos, a nós que o aplaudimos quando juiz, a leitura dialética da História: a Lava Jato foi nossa tese, Bolsonaro foi a antítese e a síntese, seria Lula? Hegel nem sempre funciona: a síntese pode ser o retorno de Bolsonaro, na sequência do retorno triunfal das “vítimas” da Lava Jato – estas, ao fim e ao cabo, criadoras de Bolsonaro.

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