Decidi tamisar

O livro é deficiente. Não dou título para não ofender o autor, que se esforçou na pesquisa e deixou preciosas notas da investigação. É tese de doutorado ou de titularidade universitária. Obra de papel e diagramação caros, financiados pelo Estado na universidade com fama recentemente manchada pela corrupção. O autor não fixou bem seu objeto e perdeu-se no caminho. Daqueles livros que deixam o leitor com sensação de perda de tempo e de dinheiro. Salva-se a diagramação, com margens suficientemente amplas para críticas e insultos a autor e seu trabalho. A tentação é jogar o livro para o carrinheiro, mas a devoção à obra impressa fala mais alto, segunda natureza da bagagem cultural do leitor.

Aos percalços, alternando a decepção com a esperança, prossegue-se na leitura, apesar do exibicionismo do autor no intervir com abordagens semióticas mal assimiladas, a velha esperteza de camuflar a inconsistência na falsa densidade. No momento exato em que o desânimo fala mais forte e a intenção de largar o livro aparece o verbo tamisar, rigorosamente desconhecido para o leitor. Pouco importa se o autor pretendeu afetar erudição, o verbo reanima o leitor: tamisar significa filtrar ou coar; vem de tamis, tecido de seda usado no processo. Sete décadas de estudo de autor e leitor autorizam a deferência.

Compartilhar:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *