A MODA, agora e sempre, é falar sem pensar. O auxílio-moradia o melhor e mais atual exemplo. Vamos lá. O auxílio-moradia é imoral, não há como questionar. Se os juízes precisam de aumento, exijam aumento. Mas o que fizeram? Aproveitaram uma regra constitucional, a da autonomia orçamentária dos poderes, para acionar o espírito corporativo e criar um indenização que não indeniza. O auxílio-moradia é ilegal. Fosse legal não estaria sob julgamento no CNJ e no STF. Imoral e ilegal, porque se justifica em desculpas. Se desculpas fossem argumentos válidos, os juízes as aceitariam na defesa dos réus. Do réu Lula, por todos.
Por que falar em auxílio-moradia de novo? Bem, é assunto atual mesmo em época de Carnaval. Nessa época, tirando os bacanais de rua, resta apenas o carnaval do auxílio-moradia, graus diferentes, muito diferentes, da imoralidade – digo isso porque enquanto viver precisarei dos juízes, tanto para o sustento quanto para o alento. A última do auxílio-moradia, hoje na imprensa: os juízes, todos, que julgaram Lula, recebem auxílio-moradia. Todos, desde o marido da doutora Rosângela – que elegeu a moradia como título de seu Facebook – até os outros carrancudos da segunda instância, os de Porto Alegre.
A condenação de Lula e o auxílio-moradia dos magistrados, tanto dos que o condenaram – e principalmente destes – como dos outros, atiça a tendência de falar sem pensar. Continuo algo inseguro, no meu caso devia pensar e não falar. Mas falar é preciso: se os juízes que condenaram Lula recebem auxílio-moradia, Lula é inocente? Aqui tenho que recorrer a um filósofo do PT, um pensador cuja raiz epistemológica está solidamente fincada entre os pré-socráticos, os gregos que filosofavam antes de Sócrates. O pensador se chama José Genoíno e até hoje não disse um ‘ai’, para defender Lula. Porque Genoíno é coerente.
Como Descartes no “penso, logo existo”, José Genoíno encharcou-se na essência da Escola de Eléia: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Uma coisa é a ilegalidade e a imoralidade do auxílio-moradia. Outra coisa é a ilegalidade e a imoralidade do sítio e do duplex de Lula. Essa gente que se recusa a pensar, na maioria petistas e jornalistas, queria o quê? Que os juízes absolvessem Lula de suas moradias ilegais, o sítio e o duplex, porque eles juízes vivem em moradias ilegais? Seria porque Lula recebeu e omitiu o ilegal e os juízes recebem e não omitem o ilegal? Os anti-Lula dirão que ele é dono do ilegal e os juízes não se adonaram do ilegal. Muita sutileza, tanto para o neo-eleato Genoíno como para este seu discípulo.
Ora, uma coisa são os juízes, outra coisa são os políticos. Como entender isso sem assumir que este Brasil é um país esquizofrênico que nos deixa esquizofrênicos – na moral, no legal e no espiritual. Só tenho uma explicação, e apenas para acalmar meu espírito, como segue. 1) A doença do auxílio-moradia cura-se com a incorporação dos penduricalhos no contracheque dos juízes; que nem o casamento da moça que engravidou do namorado. 2) A doença do auxílio-moradia de Lula não tem cura, nasceu com a República. A questão é saber se a doença do auxílio-moradia não é como a febre amarela. Ou seja, se é realmente curável?
Digo isso com algum conhecimento de causa, da causa histórica. Pensem comigo, à moda eleática, não à moda deste Carnaval: a febre amarela foi morta quando nasceu a República, com o doutor Oswaldo Cruz. E hoje, quase 140 anos, ela está aí de novo. Começo a vacilar sobre a cura do auxílio-moradia, esse minha moradia-meu salário dos juízes. E a doença na qual Lula vem sendo examinado como rato de laboratório? Se o auxílio-moradia dos juízes é a febre amarela que vai e volta, a moradia de Lula é um câncer, cuja cura teima em não aparecer. Paro por aqui. Vou lá na Globo conferir se caiu algum tapa-sexo das vedetes. Ali está a transparência que falta – aos magistrados e aos políticos.